“Koushun Takami nasceu em 10 de
janeiro de 1969, na cidade de Amagasaki, perto de Osaka. Formado em literatura
pela Universidade de Osaka, trabalhou como repórter de política e economia. Deixou
o jornalismo para se dedicar à literatura, mas não lançou nenhuma obra além de Battle Royale, que foi desclassificada
na fase final do prêmio Japan Grand Prix Horror Novel pelo seu conteúdo
polêmico.” - Globo Livros
Capa da edição nacional |
Contexto
Publicado em 1999, no Japão, o
livro chegou à fase final do prêmio “Japan Grand Prix Horror Novel”, mas foi
desclassificado por causa de seu conteúdo polêmico. Mas o que poderia ser
considerado polêmico em um livro de terror? Para os japonese, polêmica é uma
história onde 42 estudantes do ensino fundamental são sequestrados pelo próprio
governo e levados para uma ilha onde deverão participar de um jogo. Pior, um
jogo onde terão que matar uns aos outros, até que reste apenas um.
Apesar, ou por causa da
polêmica, o livro foi um sucesso, publicado em 17 países, vendeu mais de 1
milhão de exemplares no Japão, ganhou adaptação cinematográfica em 2000, com
continuação em 2003, e uma versão no formato de manga. Curiosamente, foi justamente
a versão em manga que chegou primeiro ao Brasil, seguido pelo filme. Apenas em
2014 a Globo Livros lançou a versão brasileira da obra, traduzida direto do japonês
por Jefferson José Teixeira.
História
“Vivemos sob um regime fascista
bem-sucedido. Em que outra parte do mundo há algo mais malévolo?”
O livro é uma
distopia, passada em um país autoritário chamado “República da Grande Ásia
Oriental”. Como em toda distopia, o governo autoritário precisa de um mecanismo
para controlar a população e impedi-la de voltar-se contra o regime. Para isso,
foi criado o Programa, no qual estudantes do nono ano de uma turma de ensino
fundamental são escolhidos para participar de um jogo sangrento pela sobrevivência.
O objetivo é simples e cruel: “mostrar para a população como o ser humano pode
ser cruel e como não podemos confiar em ninguém – nem mesmo no nosso melhor
amigo de escola”.
O jogo
Nessa edição do “Progama” a
Turma B da Escola de Ensino Fundamental Shiroiwa é a escolhida. Durante uma
suposta viagem de excursão, eles são sedados e sequestrados pelos realizadores
do “Programa”. Eles acordam em uma sala de aula, cada um com uma coleira no
pescoço. Ali, eles são avisados sobre o jogo do qual participarão nas próximas
horas e as regras que deverão seguir:
1 – Todos receberão um kit de
sobrevivência com pão, água e algum tipo de arma, que pode ser uma pistola, uma
metralhadora, um garfo de cozinha, um vidro com veneno ou qualquer outra coisa
útil, ou inútil.
2 – Nos kits também serão
entregues uma lista com os nomes de todos os estudantes e um mapa, dividindo a
ilha em que estão em quadrantes. A cada 6 horas, o responsável pelo “Programa”,
Kinpatsu Sakamochi, fará um anúncio listando os alunos que morreram e os
quadrantes que passarão a ser proibidos. O objetivo é fazer com que os
estudantes não fiquem escondidos em um único local.
3 – Além de possuir um
localizador, as coleiras também têm um explosivo, que será ativado quando um estudante
estiver em um quadrante proibido.
4 – Se passar 24 horas sem que
nenhum estudante morra, os explosivos explodirão e não haverá sobrevivente.
5 – Só poderá haver um
sobrevivente, ou nenhum, no caso de 24 horas sem mortes.
Na versão do filme, em inglês, uma comparação com "Laranja mecânica" e "O senhor das moscas". |
Narração
A história é narrada em
primeira pessoa e, apesar de ter um trio de protagonista bem definido, não se
concentra apenas neles. A intervalos, Koushun Takami narra o que está
acontecendo em outros lugares da ilha, as lutas pela sobrevivência e pela
sanidade.
A maioria dos estudantes da
Turma B se conhecem desde crianças, possuem todo tipo de laços afetivos ou
inimizades alimentada ao longo de anos.
Cada personagem tem sua
perspectiva contada, dando ao leitor um vislumbre de quem eles eram antes do
jogo, quais seus sonhos, qualidades e defeitos. A identificação é natural e, em
determinado ponto, o leitor se sente como o 43º estudante, ou jogador. Ele
conhece todos os colegas de turma, gosta de alguns, detesta outros, e é
impossível não entender a dor daqueles que viram alguém de quem gostam morrer.
Em uma situação como essa, cada
pessoa reagiria de uma forma, e Koushun também mostra isso de maneira
impecável. Há os que se recusam a participar do jogo e buscam uma maneira de
fugir dele, arranjar alianças e convencer os colegas a não lutarem. Há os que
enlouquecem e deixam de distinguir amigos de inimigos. Os que liberam seus
instintos de sobrevivência, seu caráter individualista ou a pura e simples
crueldade.
Em outras palavras, ao fazer o
leitor se aproximar do personagem, Battle
Royale se torna visceral.
Comparações
Inspiração, plágio ou coincidência? |
Parabéns a você que até esse
momento conseguiu fugir das prováveis e inevitáveis comparações com outras obras
com temática parecida. A mais tangível delas é Jogos Vorazes. E a comparação é
até razoável:
Em um cenário distópico, o
governo autoritário de um país decide que a melhor maneira de controlar seu
povo e evitar uma revolução é controlando suas “crianças”. Sendo assim, criam
uma espécie de jogo em que adolescentes são levados para um arena e obrigados a
lutar pela própria vida, restando apenas um.
Como tentei explicar na minha
resenha sobre Jogos Vorazes, o conceito de levar pessoas a arenas foi trazido
da Roma Antiga e sua política de “pão e circo”, ou seja, dar à população comida
e entretenimento. Os gladiadores faziam parte desse entretenimento e frequentemente
eram jogados no Coliseu para lutas sangrentas pela sobrevivência.
Suzanne Collins, autora de
Jogos Vorazes, admite que suas inspirações foram: A Roma Antiga, sua política
do entretenimento e seus gladiadores, a guerra, e os Reality Shows. Segundo
ela, nunca havia lido Battle Royale,
portanto, a acusação de que sua obra fosse uma “cópia” ou uma “repaginada” da
obra de Koushun Takami seria infundada.
Não dá para saber se ela está
dizendo a verdade, mas vou usar a “Presunção de Inocência”, princípio do
Direito, a favor dela. Até que se prove o contrário, Suzanne Collins deve ser
considerada inocente.
Num primeiro momento, Jogos
Vorazes fala sobre a decadência da sociedade, que foi tomada pela futilidade e
pelo individualismo. Num segundo momento, a política toma a frente do enredo e
o livro passa a falar sobre lutar contra o autoritarismo do governo
estabelecido em Panem.
Em Battle Royale há, por parte de alguns personagens, uma raiva mal
contida contra o governo e o desejo de vingança e/ou rebelião. Mas, no contexto
em que estão inseridos, as possibilidades de fazer algo fica bastante limitada.
Além disso, o que sustenta o “Programa” não é exatamente o “pão e circo”.
Grande parte da população passa por dificuldades financeiras, muitos dos
estudantes moram em orfanatos, há várias insinuações de prostituição infantil,
em outras coisas. A população sabe da existência do “Programa”, mas só é
informada sobre a última edição, depois que há um vencedor e as informações
fornecidas se resumem ao número de mortos, as maneiras como cada estudante morreu
e o nome do vencedor.
Em Battle Royale a revolta contra o governo parece muito mais um pano
de fundo, do que o tema central da obra. Prova disso é o foco da narração, que
é a relação entre os personagens.
Outra inspiração do autor foi,
acredite ou não, um tipo de “luta livre” profissional do qual ele era fã. Caso
não acredite em mim, está na página 15 da edição brasileira do livro.
Há muitas outras histórias,
seja na literatura ou no cinema, que usam a cultura dos gladiadores como
inspiração. Se as pessoas forem se focar apenas nisso, então pouquíssimas obras
serão originais.
De fato, como identificar quem
foi o primeiro a fazer isso ou aquilo, se todas as ideias são baseadas em
alguma outra coisa? Nada surge do nada.
Adaptações
Battle Royale I: Survival Program |
Um ano após sua publicação, Battle Royale ganhou uma adaptação
cinematográfica, que entrou para a lista de favoritos do cineasta Quentin
Tarantino, que teria declarado que, de todos os filmes feitos desde que ele se
tornou cineasta, esse era um dos que ele gostaria de ter filmado. De fato, tem
várias cenas que poderiam muito bem ter a assinatura de Tarantino, com destaque
para a cena do farol.
A continuação do filme chegou em
2003, chamada Battle Royale II: Requiem,
que mostra o personagem que “venceu” o Programa descrito no livro original, como
um rebelde unindo forças contra os “adultos” que permitem que tal jogo aconteça,
e contra o governo. No filme, o Programa sofre uma mudança nas regras: os estudantes
andarão em pares e não podem afastar-se um do outro, caso contrário, terão suas
coleiras explodidas. E o objetivo: matar o líder da rebelião. Essa continuação
não foi tão bem aceita, nem possui um livro no qual se basear.
Capa do manga |
O livro também ganhou uma
versão em manga, parceria de Koushun Takami com Masayuki Tagushi. E uma
continuação, dessa vez em parceria com Hitoshi Tomizawa, Battle Royale II: Blitz Royale, que segue a mesma premissa, mas
conta uma história diferente.
Cada adaptação sofreu alguma
mudança em relação à obra original. Por exemplo, no livro, Kinpatsu Sakamochi é
apenas um dos realizadores do Programa, o homem responsável por falar com os
estudantes e dar os anúncios diários a respeito dos mortos e dos novos quadrantes
proibidos. No filme, esse personagem é Kitano, que teria sido professor daquela
turma dois anos antes de serem escolhidos para o Programa. No manga, esse papel
cabe a outro personagem: Yonemi Kamon.
Portanto, ler o livro, os
mangas ou assistir aos filmes, são experiências completamente diferentes.
Extra
Meus personagens favoritos:
- Shogo Kawada (o estudante nº 5): um ano mais velho que o restante da turma, ele repetiu um ano. É quieto e ninguém sabe muito sobre ele.
- Mitsuko Soma (a estudante nº 11): teve uma vida difícil, desde pequena e aprendeu a depender e se importar apenas consigo mesma.
- Shuya Nanahara (o estudante nº 15): mora em um orfanato, gosta de rock'n'roll, mas seu governo não permite nada que venha dos "Imperialistas americanos". Tem ideias controversas.
- Noriko Nakagawa (a estudante nº 15): é apaixonada por Shuya e paixão platônica do melhor amigo dele, Yoshitoki Koninobu.
- Shinji Mimura (o estudante nº 19): inteligente, ele aprendeu boa parte do que sabe com seu tio, um ativista contra o governo.
***
Stephen King, para o Entretaimment
Weekly:
“Battle Royale é uma pulp riff insanamente divertida […]. Ou talvez só insana. Quarenta e dois
estudantes japoneses, que acreditam estar partindo para uma excursão de escola,
são largados em um ilha, equipados com armas, de metralhadoras a garfos de
cozinha, e forçados a lutar entre si até que apenas um sobreviva.”
Agora, você se
pergunta: que tipo de história é capaz de agradar ao mesmo tempo Quentin
Tarantino e Stephen King?
***
Booktrailer produzido pela Globo Livros
***
A edição da Globo Livros é caprichadíssima, com auto relevo na capa, mapa da ilha, quadrantes proibidos e uma ajudinha para o leitor ocidental: lista com os nomes dos estudantes e seus números de chamada.
Para quem não está acostumado com mangas e animes, os nomes dos personagens são muito difíceis de pronunciar, escrever e diferenciar. Porém, o autor sempre que se refere a um personagem, coloca ao lado o número de chamada do sujeito. Se for complicado pronunciar algum nome, concentre-se no número. Para ajudar, uma pequena, improvisada e incerta aula de japonês:
- O "U" é quase sempre mudo, como em "Sasuke", personagem de "Naruto", onde se lê "Saske".
- O "H" tem som de "R", ou seja, no nome "Hiroki, a pronúncia é "Riroki" e no nome "Haruka", a pronúncia é "Raruka". Ou pelo menos é o que aprendi com a "Hinata", também de "Naruto".
Sim, meus conhecimentos de japonês começam e terminam em Naruto.
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