Pornô para mães
A primeira vez que ouvi falar do livro, eu não me interessei muito,
pois foi logo com uma crítica nada positiva sobre ele. A segunda vez foi
durante a leitura de um trecho, em que a pessoa que lia pra mim estava super animada
e um pouco envergonhada com o que lia. No entanto, enquanto ela lia, eu me lembrava
dos muitos “Sabrina”, “Bianca” e “Julia” que li no começo da minha adolescência.
São aqueles livros de banca de jornal, romances açucarados, que tinham
sempre, sempre mesmo, uma protagonista muito jovem (lá na casa dos
dezoito anos), muito virgem (inexperiente até com beijo), muito
independente (sempre com uma opinião e uma resposta na ponta da língua), e muito
incapaz de se livrar dos braços do homem mais velho (na casa dos trinta anos,
não mais que isso, mas não menos de vinte e um).
As mocinhas desses romances eram, em geral, cheias de valores e
problemas, e conheciam aquele cara maravilhoso, que nunca, nunca mesmo, era
simpático com elas, pareciam odiá-las sem nenhum motivo aparente, as julgavam
sem saber a fundo o que acontecia com elas e, ao mesmo tempo, as agarravam
sempre que tinham oportunidade. E sem que elas quisessem ser agarradas. Bem,
pelo menos no começo, porque elas nunca conseguiam sair dos braços deles, até
que eles decidissem soltá-las. E elas
se apaixonavam perdidamente em algum momento. A explicação deles? As amavam
desde o momento em que as conheceram. Sim, simples assim.
Sobre o trecho que minha amiga estava lendo para mim, nada muito
diferente do que eu já tinha lido nesse tipo de livro uma dezena de vezes… um
estilo do qual eu já havia me cansado há um tempo. E aí é que está.
O que incomoda em “Cinquenta tons de cinza” não é a relação Dominador/Submissa, é a repetição de um
estilo de livros que minha avó já lia enquanto fazia o enxoval dela. Só que com
elementos de masoquismo… Não por menos, o livro está sendo conhecido lá fora
como “Pornô para mamães”.
Na terceira vez em que ouvi sobre ele, minhas colegas de trabalhao
começaram a aparecer com cópias desse livro e eu me rendi: precisava descobrir com
o que estava lidando.
Fanfiction
“50 tons” nasceu como uma fanfiction de Crepúsculo. Eu não
li esses livros – ainda -, mas assisti os filmes (eu apagaria da memória, se
pudesse). E, de fato, há alguns padrões muito semelhantes entre os personagens.
Veja:
Cristian Grey: Rico, misterioso, perigoso, cheio de segredos, ele e os
irmãos são adotados. Edward Cullen: Rico, misterioso, perigoso, cheio de
segredos, ele e os irmãos são adotados.
Anastasia Steele: Morena, pobre, dirige um fusca velho, é insegura,
estabanada, tem pelo menos dois caras que se mostram interessados nela e fica
completamente obcecada por Cristian no instante em que o vê. Bella Swann: Morena,
pobre, dirige um caminhão velho, é insegura, estabanada, tem pelo menos dois
caras que se mostram interessados nela e fica completamente obcecada por Edward
no instante em que o vê.
Detalhe: Tanto Edward quanto Cristian avisam suas donzelas de que eles
não são o homem certo para elas. Ambas as donzelas não ligam para o aviso.
Não tenho absolutamente nada contra fanfictions (ficção de fã), pelo contrário, sou totalmente a favor
delas. O problema não é como “50 tons” surgiu e sim o modo como você pode
facilmente relacionar uma obra à outra, e isso é muito frustrante (mesmo que,
como eu, não goste nem de uma, nem de outra).
Acho que as fanfictions têm
que permanecer exatamente onde estão e ser o que são. Se alguém quiser evoluir
de um escritor de ficção de fã, para um escritor de verdade, pelo menos tenha a
decência de escrever algo novo, original e diferente.
Personagens
Anastasia Steele tem 21 anos, está terminando a faculdade e estuda
literatura. No entanto, no instante em que conhece Cristian, Ana – como gosta de ser chamada – passa
a se comportar como uma garotinha de colegial.
A personagem é apresentada exatamente como todas as personagens
daqueles romances de banca que citei acima. Cheia de opiniões e virgem, beijou
apenas dois caras em toda a sua vida.
Dá para perder as contas de quantas vezes ela diz “Uau” ou “puta merda”
ou faz algum comentário bem infantil sobre como Cristian mexe com ela,
provocando sensações que ela desconhecia até então. Tudo isso antes dele sequer
propor que ela seja sua submissa. E
isso fica chato logo, pois o livro é narrado em primeira pessoa. Sem falar de sua irritante esquizofrenia: Ana fica o tempo todo falando de sua "deusa interior" e seu "inconsciente" como se fossem amigas de infância... é esquisito, chato e infantil.
Cristian Grey. Nem ele, que é bem mais interessante que sua
companheira, tem uma apresentação muito melhor. Ele é rico. Jovem empresário bem
sucedido. Misterioso. Possessivo. Perseguidor. Dominador. Sei lá, se a história não fosse contada em primeira
pessoa, se o personagem principal fosse ele e não Anastasia, e se a escrita não
fosse tão ruim, “Cinquenta tons de cinza” poderia muito bem ser um livro com a
história certa.
Porém, “50 tons” se resume a uma personagem principal insossa, que
fica o tempo todo repetindo “puta merda”, “ual” e o nome de “Cristian Grey”, o
comparando com um “herói romântico”, um “cavaleiro reluzente”, e achando
absurdo o fato de um “deus grego, um Adônis” como ele estar interessado nela.
E o pior é uma mulher, inteligente e independente, ficar toda derretida
e cheia de desculpas aceitáveis para o fato de um cara que ela mal conhece
persegui-la, rastrear seu celular, manda-la sentar, comer, dormir… e também
achar sexy e sedutor o seguinte diálogo:
“- Isso quer dizer que você vai
fazer amor comigo hoje à noite, Cristian?
- Não, Anastasia, não quero
dizer isso. Em primeiro lugar, eu não faço amor. Eu fodo… Com força.
Meu queixo cai. Foder com
força. Puta merda, isso parece muito
excitante.” - Pág. 89.
Dominador / Submisso
Vamos deixar uma coisa bastante clara aqui, antes de continuar: não sou
contra sadomasoquismo ou essa relação “Dominador/Submisso”, e não vou ficar discursando
sobre a liberdade feminina. Por que isso não vem ao caso.
Aqui, o que importa é a preferência de duas pessoas que querem manter
uma relação, independente do “conteúdo” dela.
Ele quer dominar e, inexperiente ou não, Anastasia quer ser dominada.
Tudo bem, ela leva mais da metade do livro tentando decidir se quer ou não
assinar o tal contrato que impõe as regras dessa relação, os limites rígidos e
os limites brandos, porém, se Anastasia não quisesse ser submissa, não teria esperado tanto, e teria negado logo de cara. A
verdade é essa: ela quer, a decisão é dela, e não tem nada a ver com a relação
homem/mulher na sociedade. Mesmo porque, - cuidado com o rápido spoiler - o
próprio Cristian foi submisso
anteriormente.
Anastasia é aquela garota insegura e sem graça que todos nós
conhecemos, e que magicamente consegue atrair pelo menos três homens
diferentes. Dois deles, ela nem considera, e o outro, bem, é o tal deus grego.
Ela conhece Cristian e, depois de alguns encontros nem tão acidentais assim,
ele a avisa que não é o homem certo para ela. Claro que, como em qualquer
história, isso não funciona e Ana continua maravilhada com ele.
Cristian, incapaz de ficar longe dela, naquele tipo de magnetismo
inexplicável, decide apresentá-la a seu mundo e deixa-la decidir se quer fazer
parte dele. Claro, aqui, tem algo a se considerar nessa coisa de “a decisão foi
dela”. Ao primeiro sinal de que Anastasia vai recuar e esquecer essa história,
Cristian aparece na casa dela e a “convence” a pensar um pouco mais.
No entanto, repito, se no fundo ela não quisesse, não haveria livro
(não que isso seja uma ideia tão ruim assim).
Meias palavras
Há aquelas cenas de palmadas, chicotadas e brinquedos eróticos que você provavelmente está esperando, mas há um padrão que se repete: ela goza e, em seguida, ele goza. Não que seja impossível, mas isso acontece exatamente da mesma forma todas as vezes. Mudam alguns detalhes aqui e ali, mas depois é assim que termina.
Outra coisa, Anastasia admite que quer fazer sexo masoquista com esse homem misterioso, mas é incapaz de ser direta quando o assunto é dizer onde está sentindo prazer. Ela fica cheia de meias palavras: “Eu sinto ele tocando… ali”, “Minha parte mais íntima”, “Lá embaixo”… Ou seja, depois de tantos “puta merda” e “foder com força”, ela não consegue falar “vagina” ou “clitóris”. Sendo que nem são termos pejorativos, e sim parte da anatomia feminina.
Lembra daquelas aulas de biologia, em que seus colegas ficavam de risadinhas sempre que ouviam as palavras “pênis” e “vagina”? Então, a sensação é a mesma.
Enfim…
“Cinquenta tons de cinza” tem tudo aquilo que as garotas adoram: uma personagem com que se identificar, um homem lindo, rico, sensual e misterioso, sexo, e até alguns momentos para dar uma risadinha ou deixar o coração apertar. Mulheres são mulheres e não têm como fugir do romance… ainda que torpe.
Contudo, o resultado final é um livro que pretende ser adulto, mas falha ao não conseguir encontrar o tom certo para a história narrada e acaba soando extremamente infantil.
A história é fraca, a escrita é podre, a personagem principal é chata. Tudo muito ruim para ser considerado.
Há aquelas cenas de palmadas, chicotadas e brinquedos eróticos que você provavelmente está esperando, mas há um padrão que se repete: ela goza e, em seguida, ele goza. Não que seja impossível, mas isso acontece exatamente da mesma forma todas as vezes. Mudam alguns detalhes aqui e ali, mas depois é assim que termina.
Outra coisa, Anastasia admite que quer fazer sexo masoquista com esse homem misterioso, mas é incapaz de ser direta quando o assunto é dizer onde está sentindo prazer. Ela fica cheia de meias palavras: “Eu sinto ele tocando… ali”, “Minha parte mais íntima”, “Lá embaixo”… Ou seja, depois de tantos “puta merda” e “foder com força”, ela não consegue falar “vagina” ou “clitóris”. Sendo que nem são termos pejorativos, e sim parte da anatomia feminina.
Lembra daquelas aulas de biologia, em que seus colegas ficavam de risadinhas sempre que ouviam as palavras “pênis” e “vagina”? Então, a sensação é a mesma.
Enfim…
“Cinquenta tons de cinza” tem tudo aquilo que as garotas adoram: uma personagem com que se identificar, um homem lindo, rico, sensual e misterioso, sexo, e até alguns momentos para dar uma risadinha ou deixar o coração apertar. Mulheres são mulheres e não têm como fugir do romance… ainda que torpe.
Contudo, o resultado final é um livro que pretende ser adulto, mas falha ao não conseguir encontrar o tom certo para a história narrada e acaba soando extremamente infantil.
A história é fraca, a escrita é podre, a personagem principal é chata. Tudo muito ruim para ser considerado.
This. hahaha cara, você falou tudo o que eu penso, aliás, foi muito além.
ResponderExcluirEu vou logo falando: não li o livro todo. Parei exatamente no meio, um pouco antes dela assinar de fato o contrato de submissa, mas vi todos os termos, regras, putaria e etc.
Acho que os grandes problemas são: a autora, que certamente não sabe escrever direito, e, claro, os leitores que gostam de algo assim e fazem com que Cinquenta Tons de Cinza se tornem um sucesso.
É como você disse, é muito parecido com outras histórias, é aquele clichê, mas não o clichê que é normal de sempre ter e até tolerável, é um clichê chato, que deixa tudo massante, repetitivo demais. Dá até sono. A menina indefesa e o cara perigoso... E os fãs vão a loucura, claro.
Adorei a resenha, muito bem feita e exaltou pontos importantes e o porquê do livro ser ruim - e ainda assim um sucesso rs.
Beijos.
Eu esqueci de uma das vezes em que ouvi falar do livro, foi com um vídeo do "Marcelinho lê contos eróticos", em que ele fazia propaganda do livro. E a cena que ele leu, me lembrou muito Sabrinas da vida... daí quando resolvi ler o livro, não consegui pensar em mais nada.
ResponderExcluirAnastasia não assinou o contrato... assinou um termo de confidencialidade, mas o contrato chegou até a ser esquecido quando eles acertaram algumas pontas soltas...
Mas você tem razão, Gabriela, é tudo muito clichês. E eu sou uma pessoa que gosta de clichês!! Bem, pelo menos dos bem utilizados. E não é o que acontece nesse livro.
Bem, estou lendo o segundo livro... e não é muito diferente... rsrs
Pra quem acha esse livro bom só por causa da "putaria", eu digo, leiam o fórum de qualquer revista pornô, é mais excitante e muito mais bem escrito!
ResponderExcluirÓtima resenha amor, eu ri... com força!
"Eu ri... com força!" você é um sacana, senhor...
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