Uma
coisa leva a outra
Acompanhe
meu raciocínio: Crepúsculo é uma série sobre uma menina de
dezessete anos que nunca se apaixonou na vida, nem viveu nenhum tipo
de emoção em sua vida até se apaixonar por um vampiro e ter que
praticamente implorar para que ele a transformasse. São necessários
três livros de uma saga que não tem razão de ser para que ela
consiga o que quer.
Uma fã
já grandinha dessa série adolescente resolve escrever uma
fanfiction em um universo alternativo em que Bella é uma formanda da
faculdade e Edward é um poderoso magnata sadomazoquista. A fanfic
faz tanto sucesso que a autora decide virar escritora profissional e
lançar sua fanfic como uma original, mudando alguns detalhes aqui e
ali, deixando o básico para não mudar a história toda e o mercado
editorial ganha um novo brinquedinho: Cinquenta tons de cinza.
A
história de amor e sexo de Christian Grey e Anastasia Steele
conquista as fãs de Crepúsculo
que já tinha crescido um pouquinho e, de quebra, outros corações
desavisados que nunca tinham lido um livro erótico na vida. E, de
repente, o mercado editorial descobriu uma coisa inovadora: mulheres
também gostam de sexo e gostam de comprar.
O
resultado foi uma enxurrada de títulos eróticos nas prateleiras das
livrarias, da mesma forma que aconteceu quando Harry Potter
e Crepúsculo acabaram
e as lojas precisavam de substitutos. Títulos como Luxúria,
S.E.G.R.E.D.O., O
inferno de Gabriel, A
bibliotecária, Belo
desastre, e a mais nova
fanfiction de Crepúsculo
que virou livro Cretino irresistível,
e as respectivas continuações estão lotando as prateleiras e é
difícil acompanhar o ritmo.
Um
desses títulos é o tema da resenha de hoje.
![]() |
Crossfire, livro 1 - Toda sua |
Toda
sua é o primeiro livro da série
Crossfire da autora de
livros eróticos Sylvia Day. A série já tem mais dois livros
lançados, com os originais e geniais nomes de Profundamente
sua e Para sempre sua
e promete encerrar com mais dois livros (só espero que desistam de
colocar a palavra "sua" nos próximos títulos em
português), ainda sem previsão de lançamento. Sylvia Day é uma
conhecida autora de livros eróticos e tem na carreira outros títulos
que fizeram algum sucesso lá fora. O provável motivo de Toda
sua ter se destacado é a
declaração da própria autora de ter se "baseado" em
Cinquenta tons de cinza
na composição da história e de seus personagens. Não, não se
trata de uma fanfiction de "50 tons", mas – arrisco dizer
– uma versão melhorada. Nenhuma grande proeza, porém.
Comparações
necessárias
Eu
não gosto muito de fazer comparações desnecessárias, mas algumas
são inevitáveis. Enquanto na resenha de Cinquenta tons de
cinza eu fiz um rápido paralelo
Edward Cullen/Christian Grey e Bella Swan/Anastasia Steele, agora me
vejo diante de um curioso "jogo dos sete erros", com
personagens e história essencialmente parecidos, mas colocados no
papel por uma escritora experiente.
Christian
Grey é um magnata que atua em todas as áreas que pode e controla
Seatle como se fosse o quintal de sua casa. É bonito, atraente e
pode ter a mulher que quiser... desde que ela esteja interessada em
sexo com brinquedinhos e surras ocasionais. Ele tem um bom
relacionamento com sua família adotiva, embora prefira se manter
distante por causa de seu passado traumático com uma mãe prostituta
e viciada, e o cafetão dela que gostava de queimar bitucas de
cigarro em seu peito. Aos quinze anos, Christian tornou-se submisso
de uma mulher mais velha, casada e amiga de sua mãe adotiva. Seus
traumas deixaram marcas, entre elas a fobia
de ser tocado.
Gideon
Cross é um magnata que atua em todas as áreas que pode e controla
Nova York como se fosse o quintal de sua casa. É bonito, atraente e
pode ter a mulher que quiser. Seu relacionamento com a família é
bastante conturbado. Ele é filho de um empresário que roubava dos
próprios clientes e que optou pelo suicídio para não ser preso por
seus crimes. Sua mãe casou-se novamente, mas o passado de seu pai
ainda o atormentava, transformando-o em uma criança cheia de
problemas. Quando sua mãe contrata um psicólogo é quando a vida do
jovem Cross realmente se torna um inferno. Desses fatos, Gideon
desenvolve um problema que o atinge praticamente todas as noites, a
parassonia sexual atípica,
fazendo seus pesadelos ultrapassarem o limite da imaginação e
tornando impossível que ele divida sua cama com alguém.
Os
dois têm preferência por mulheres morenas o que poderia ser
irrelevante se Anastasia Steele e Eva Tramell, respectivamente não
acreditassem que esse é um bom motivo para se sentirem inseguras e
ciumentas.
Ana
e Eva não têm muito em comum além da atração irresistível que
sentem por seus magnatas e que despertam neles sem qualquer
explicação plausível. Enquanto Ana é uma morena bonita e virgem,
sem grandes problemas em seu passado, Eva precisa lidar com as
lembranças do abuso sexual que sofreu dos dez aos catorze anos, uma
mãe superprotetora e os problemas pscicológicos de seu melhor amigo
e porto seguro Cary. Apesar dos traumas, Eva conseguiu fazer as pazes
com o sexo e o desejo embora, por muito tempo, tenha usado isso como
uma ferramenta de fuga de seus problemas reais, danificando ainda
mais sua autoestima e seu psicológico.
A
maneira como os casais se encontram não é muito diferente também.
Ana e Eva caem no chão, literalmente aos pés do deus-do-sexo de
seus respectivos livros.
Não
é apenas na escrita que Sylvia Day se destaca de E.L.James, mas
também na maturidade de algumas partes de seu enredo. Claro que em
nenhum momento se cria a ilusão de que em um romance erótico o
enredo tem alguma chance de se sobressair aos orgasmos múltiplos e
madrugadas inteiras de sexo selvagem. Apesar de ser uma escritora
melhor, Sylvia também entedia o leitor com passagens desnecessárias
e algumas coisas são tão previsíveis que perde a graça. Sem falar
na minha velha conhecida implicância com histórias narradas em
primeira pessoa.
![]() |
Autora da série Crossfire - Sylvia Day |
A
história
Eva
Tramell acabou de ser formar em publicidade e consegue emprego em uma
importante agência, que funciona no vigéssimo andar do imponente
edifício Crossfire.
Lá, ela conhece Gideon Cross, dono do prédio e de quase toda
Manhathan.
A atração entre eles é intensa, mas ele quase estraga tudo ao propor um encontro rápido baseado unicamente em sexo. Apesar de tentada, Eva sabe que seus problemas apenas pioram quando usa o sexo como válvula de escape e, desde que saiu de São Diego para viver em Nova York, decidiu apenas se envolver sexualmente com homens com quem tivesse um relacionamento ao menos amigável. Ela não está interessada em namoro, pois preza sua liberdade e independência acima de qualquer coisa. Gideon aceita a oferta dela e é aí que a paixão e os problemas começam a dividir a atenção dos dois, que mergulham em um relacionamento imaturo, com uma interminável disputa de poder e sexualmente intenso. Eles resolvem todos os problemas na cama – ou melhor, no sexo, já que nem sempre isso acontece na cama propriamente dita.
A atração entre eles é intensa, mas ele quase estraga tudo ao propor um encontro rápido baseado unicamente em sexo. Apesar de tentada, Eva sabe que seus problemas apenas pioram quando usa o sexo como válvula de escape e, desde que saiu de São Diego para viver em Nova York, decidiu apenas se envolver sexualmente com homens com quem tivesse um relacionamento ao menos amigável. Ela não está interessada em namoro, pois preza sua liberdade e independência acima de qualquer coisa. Gideon aceita a oferta dela e é aí que a paixão e os problemas começam a dividir a atenção dos dois, que mergulham em um relacionamento imaturo, com uma interminável disputa de poder e sexualmente intenso. Eles resolvem todos os problemas na cama – ou melhor, no sexo, já que nem sempre isso acontece na cama propriamente dita.
Gideon
atrapalha-se consstantemente com suas tentativas de se manter em um
relacionamento sério no qual está emociconalmente envolvido pela
primeira vez, ao mesmo tempo em que seus problemas psicológicos
começam a afetar Eva mais profundamente do que seria saudável. Os
dois têm traumas parecidos, mas maneiras diferentes de lidar com
isso, o que pode acabar afastando-os para sempre.
No
meio da confusão que a vida deles como casal se torna, fica difícil
saber quem é mais dependente de quem.
O
relacionamento pode ser explicado pela frase que vem logo na capa do
livro "Ele me possuiu e eu fiquei obsecada". O curioso é
que o mesmo poderia dizer Gideon a respeito de Eva. Eles são
viciados um no outro.
O
que torna a história minimamente atraente é a sensação de que
eles não deveriam estar juntos. É estranho, mas durante a leitura,
às vezes você se pega pensando que seria melhor se cada um seguisse
seu caminho. Até mesmo eles sabem disso, mas teimosamente se recusam
a abrir mão daquilo.
O
mercado de romances eróticos
![]() |
Os romances eróticos Luxúria e Cinquenta tons de cinza |
No
mercado atual de romances eróticos todos os livros se parecem e a
relação dominador/submisso
se faz presente de uma maneira que me faz pensar se não tem alguém
por trás desses livros tentando definir um padrão de comportamento
nos casais. É um pouco revoltante que alguns dos livros mais lidos
hoje em dia ditem que uma relação, para dar certo, tem que ter a
pessoa que manda e a pessoa que obedece, e não a boa e velha
concessão de ambas as partes.
Os
livros da série Crossfire
são alguns dos representantes da literatura erótica para mulheres,
que se caracteriza por uma estranha mistura de soft
porn¹
com BDSM
(Bondage², Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e
Masoquismo). No segundo livro, Profundamente
sua,
fica claro que Gideon Cross é um dominador, mas ele não tem um
"quarto vermelho da dor", nem o desejo de bater, amarrar ou
usar brinquedinhos em Eva. Entre eles é uma coisa muito mais
psicológica do que física. O que não é uma justificativa, mas
pelo menos muda um pouco do enredo de "50 tons" e os livros
da trilogia Luxúria,
por exemplo.
Toda
sua não
é o melhor livro do mundo, não tem a melhor escrita, os melhores
personagens ou o melhor enredo. Mas é estranhamente atraente e
viciante.
¹ Soft porn - Pornô leve, suave.
² Bondage - Prática de amarrar, prender, imobilizar o parceiro.
É estranho comentar no nosso blog, mas vamos lá.
ResponderExcluirPrimeiro: Tenho a leve impressão de que a autora pegou Mad Men como referência. Não sou fã da série, assisti bem pouco, mas o resumo do enredo do livro me lembrou o que vi.
Segundo: Ainda bem que esse é o último. AHahuahuaa
Sério agora, não sei como você conseguiu ler todos esses, com muito menos estou cansada. Sempre desconfiei que tinha um problema com esses livros soft porn desde que li Lolita (que dos que já li acho que é o melhor), mas depois de ler o primeiro da trilogia erótica da Anne Rice e agora lendo Memórias de minhas putas tristes, do Gabriel Garcia Marquez, passei a ter certeza de que esse estilo me deixa entediada. É quase a mesma coisa que assistir uma novela da Globo só que sem a enrolação básica para ter mais de 100 capítulos.