Possíveis
spoilers.
"Inclino-me quase a afirmar como regra que uma história para
crianças de que só as crianças gostam é uma história ruim. As
boas permanecem." - C. S. Lewis.
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Capa do Volume único |
Um dos exercícios mais difíceis e essenciais para uma leitura
proveitosa é aquele que exige do leitor adaptar-se ao livro que vai
começar a ler. Ou seja, entrar no clima da história, seja romance,
terror, drama, comédia ou, como o assunto desse post, infantil.
Quando peguei "As crônicas de Nárnia", de C. S. Lewis
para ler, eu procurei ser cuidadosa. Não que a leitura possa ser
incomoda para a mente de um adulto, mas certamente a compreenção
será diferente. Para dar exemplos práticos, quando eu era criança
e assistia "Chaves", "Chapolin" e "Os
Simpsons", eu interpretava as histórias de maneiras
completamente diferentes das que interpreto agora. Hoje tenho
consciência de que "Os Simpsons" é tudo, menos um desenho
feito para crianças.
A minha edição é o volume único com os sete livros apresentados
na ordem cronológica da história, e não da publicação, embora
todos possam ser lidos separadamente e em qualquer ordem, sem
prejuizo do entendimento. Recomendo, apenas, que "A última
batalha" seja lida por último, por motivos que a própria
história revelará a seu tempo.
Eu sinceramente não sei dizer qual das sete histórias é a minha
favorita, cada uma tem sua própria atração, embora talvez eu possa
apontar uma ou duas que não me agradaram muito, como Príncipe
Caspian, sabe-se-lá porquê, talvez pela demora para que alguma
coisa acontecesse, e "A última batalha", por causa de
Suzana e do arremate da história que é, simplesmente, "..."
demais pra mim. Sei que muita gente gosta e que o significado vai
muito além do preto no branco, mas mesmo assim...
Algumas pessoas consideram "Nárnia" como um "livro
bíblico", como eu tive a oportunidade de ouvir pessoalmente.
Errado. Não é um livro bíblico, embora alguns pontos sejam
claramente inspirados na bíblia e Aslam, o Leão que guia os
personagens, seja uma alusão óbvia à Jesus Cristo. Talvez tais
alusões incomodem, por exemplo, um ateu, mas como eu disse no começo
do texto, é preciso "entrar no clima da história", vestir
sua capa de criança e ler sem compromisso com significados cristãos
ocultos.
Eu tive uma criação católica, mas por x motivos acabei por me
afastar da igreja e questionar alguns dogmas religiosos se tornou uma
atividade natural para mim. Mesmo assim, procurei ler esses livros
como leria uma fantasia, ou um conto de fadas. Se você não for o
tipo de pessoa irredutível, radical, preconceituosa e sem
imaginação, não terá dificuldade para ler Nárnia.
Nessa edição também há um ensaio do autor, chamado "Três
maneiras de escrever para crianças", no qual ele disserta a
respeito do que significa, para ele, escrever para criança, dar o
que a criança quer, de forma automática, ou procurar a melhor forma
para descrever a ideia que se quer passar? Recomendo a leitura, pois
se eu for colocar todas as citações que achei interessante desse
texto, esse post não acaba mais.
O sobrinho do mago
A primeira história foi a
penúltima a ser lançada, em 1955. Conta a história de Digory, um
menino cuja mãe está doente e que vai morar com os tios, e de sua
nova vizinha, Polly. Um belo dia os dois estão brincando no sótão
da casa, quando por acidente vão parar no quarto do tio de Digory,
um homem meio maluco chamado André.
Esse tio é um estudioso de
universos paralelos e acaba de descobrir uma maneira de viajar por
esses universos através de dois tipos de anéis que ele inventou: um
verde, para ir para outro mundo, e um amarelo, para retornar. Porém,
o tio André não tem coragem para embarcar nessa aventura e acaba
enviando o sobrinho e a amiguinha dele nessa empreitada.
Essa
é a história que narra a criação de Nárnia, dos animais
falantes, a nomeação de seus primeiros Rei e Rainha, de uma das
principais inimigas desse novo mundo, a Feiticeira Branca, além de
uma explicação plausível (dentro de um universo de fantasia) para
os portais dimensionais que levam as crianças das outras histórias
até Nárnia.
O leão, a feiticeira e o
guarda-roupa
Essa
história não deve ser novidade para quem já assistiu ao filme com
o mesmo nome, e vale dizer que dos três filmes, esse é o mais fiel
ao livro a que se refere. É aqui que conhecemos os quatro reis mais
importantes de Nárnia, Pedro, Edmundo, Suzana e Lúcia. Vou logo
largar um spoiler inofensivo aqui e dizer que eles são sobrinhos de
Digory (desculpa, se você não achou isso inofensivo). A Inglaterra
está em meio à guerra e as quatro crianças são enviadas para a
casa do tio, onde, durante uma brincadeira de esconde-esconde, Lúcia
encontra um guarda-roupa mágico que a transporta para Nárnia.
Seu
irmão, Edmundo entra no guarda-roupa atrás dela, mas não a
encontra, ao invés disso, conhece a Feiticeira Branca, que o
convence que há um grande mau cercando Nárnia e que, se ele a
ajudar, será nomeado Grande Príncipe e governará aquela terra ao
seu lado. Para isso, tudo o que ele precisa fazer é entregar a ela
as outras crianças que entraram em Nárnia.
Tudo
bem que, nessa história Edmundo nada mais é que um traidor, mas
acredito que de todos os irmãos, é ele quem mais se transforma a
partir de sua ida para Nárnia. Ele era chato, arrogante e egoista, e
ao perceber seu erro, e ouvir um sermão de Aslam, Edmundo se
transforma e passa a ser um garoto justo e leal.
O cavalo e seu menino
Uma
das histórias que eu mais gostei, embora muita gente discorde de
mim. Narra a história de um garoto órfão, Shasta, que é criado
como um escravo, e de um cavalo falante de Nárnia, chamado Bri, que
foi levado para longe de sua terra natal e usado como cavalo de
guerra comum. Shasta tem um forte pressentimento de que seu
verdadeira destino está longe da Calormânia, onde está no início
da história, e tudo o que Bri quer é voltar para sua terra natal,
onde os cavalos são nobres e tratados descentemente.
Essa
é uma história sobre auto conhecimento e humildade, quando Shasta
aprende sobre ser corajoso e Bri sobre ser humilde.
Também
nos apresenta as terras vizinhas a Nárnia, como a Arquelândia,
amiga, e a Calormânia, inimiga.
Príncipe Caspian
Em
determinado momento da história de Nárnia, essa terra deixa de
ser governada pelos quatro reis, as crianças que voltaram para o
"mundo real" e sumiram de Nárnia sem maiores explicações
para seu povo. Agora, Nárnia é governada pelos telmarinos, um povo
que veio das Montanhas Ocidentais, e que praticamente "transformaram"
a história de Nárnia em lendas, afinal, que coisa absurda crer que
animais falam e que houveram quatro reis vindos de outro mundo!
Enfim, é desse povo que provém Caspian, herdeiro do trono, mas que
tem fortes ligações com as histórias que os telmarinos chamam de
lendas. Quando seu tio tenta assassiná-lo para que seu filho seja o
herdeiro do trono, Caspian foge e acaba por ser acolhido por anões
e animais falantes, que lhe juram lealdade e prometem ajudá-lo a
reconquistar Nárnia. Além deles, Cáspian também recebe ajuda dos
quatro grandes reis de Nárnia, há muito desaparecidos, e que
retornam nessa história, e em outras, sempre que Nárnia se encontra
em perigo.
A viagem do Peregrino da
Alvorada
Essa
é, provavelmente, a minha história preferida e tem aquele que eu
considero meu personagem favorito: Eustáquio. Da mesma forma que
aconteceu com Edmundo em sua primeira viagem à Nárnia, esta é a
vez de Eustáquio ser "transformado", no que vem a ser uma
das transformações mais extremas de toda a narrativa sobre Nárnia.
Além disso, nessa história o Rei Caspian tem como missão
encontrar os sete fidalgos de Nárnia fieis a seu pai e que, há
muito tempo, tinham sido mandados por seu tio para o mar em busca das
Ilhas Solitárias. Toda a viagem e as paradas nas ilhas são
interessantes, e lamento hoje, tendo lido o livro após assistir o
filme, que certas coisas tenham sido mudadas.
A cadeira de prata
Nessa
história Eustáquio retorna a Nárnia em companhia de uma colega de
escola, Jill, e a missão deles é encontrar o príncipe desaparecido,
Rilian, que foi sequestrado por uma feiticeira há mais de dez anos.
Eles recebem de Aslam alguns sinais que devem ser seguidos para que
consigam cumprir a missão e, embora, consigam, o final é um
pouco... melancólico.
A última batalha
Nessa
história, um macaco malandro usa seu inocente amigo, um jumento, e
uma pele de leão para enganar os habitantes de Nárnia, fingindo
agir sob as ordens de Aslam. Assim, ele faz um acordo com o povo
historicamente inimigo de Nárnia, os calormanos, e começa a cortar
árvores e vender animais como escravos para a Calormânia. O atual
rei de Nárnia, Tirian, precisa fazer alguma coisa para salvar seu
povo e sua terra. E mais uma vez, recebe a ajuda das crianças,
Eustáquio e Jill, além de outras ajudas que aparecem mais tarde,
para resolver a situação que já está bem crítica...
Tem
algumas partes nessa história que são um pouco assustadoras, como a
presença do deus Tash, que é simplesmente medonho, sob a forma de
uma espécie de ave carniceira, de quatro braços e... dá calafrios
só de pensar. Essa é a entidade venerada pelo povo da Calormânia,
por quem eles têm adoração e pavor.
"As
crônicas de Nárnia" são histórias muito ricas, sobre
bondade, descência e fé. Como toda boa história, tem um começo,
um meio e um fim, sem pontas soltas, sem grandes questionamentos,
tudo apresentado de forma leve e bonita. São belas histórias para
crianças e belas histórias para adultos, que valem a pena serem
lidas e passadas a diante.
"(...)
Em nossa época, se um homem de cinquenta e três anos admite ainda
adorar de anões, gigantes, bruxas e animais falantes, é menos
provável que ele seja louvado por sua perpétua juventude do que
seja ridicularizado e lamentado por seu retardatismo mental."
"Quando
me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino, inclusive o
medo de ser infantil e o desejo de ser muito adulto".
-
C. S. Lewis.
Eu sumi, mas estou por aqui... Só observo... ;3
ResponderExcluirVocê ainda é a minha escritora favorita! Seja para contos, seja parq pitacos!