sábado, 25 de setembro de 2021

Resenha | "O menino que matou meus pais" e "A menina que matou os pais" - Maurício Eça


Eu me lembro muito bem de ouvir sobre o assassinato do casal Hichthofen em um bairro de classe média em São Paulo, em 2002. Era difícil não ver e ouvir nada sobre isso, pois não se falava em outra coisa. O Caso Hichthofen se tornou um dos crimes mais famosos do Brasil, se igualando ao Caso Isabela Nardoni e o Caso Eloá, que vieram depois. Assuntos que se tornaram obsessão da mídia nacional, dos almoços em família, das conversas com estranhos em filas de banco... você sabe como é.
Eu também me lembro quando as suspeitas começaram a cair sobre a filha mais velha do casal, Suzane, e seu namorado, Daniel. Todo crime de homicídio é horrível, mas quando há a possibilidade de ser um crime cometido por um familiar, um conjuge, pais ou filhos, tudo fica pior. E mais midiático também.

Em 31 de outubro de 2002, Suzane, seu namorado Daniel, e o irmão dele, Cristian, entraram na casa da família e assassinaram Manfred e Marisia von Hichthofen. Nas investigações, a polícia logo descartou a possibilidade de latrocínio. Segundo policiais envolvidos no caso, logo de início o comportamento de Suzane foi considerado estranho e durante todo o processo investigativo, Suzane não de monstrava luto real pela morte dos pais. Isso fez com que as suspeitas caissem sobre ela e o namorado. Em 8 de novembro de 2002, Cristian foi o primeiro a confessar o crime, após a polícia descobrir que ele comprou uma moto com dolares (dinheiro que havia sumido da casa dos Hichthofen na noite do crime).

É aí que está o primeiro problema que tive ao assistir aos filmes O menino que matou meus pais e A menina que matou os pais. No início de ambos os filmes, vemos a chegada dos policiais na cena do crime e encontrando o casal morto na cama. Logo em seguida, a narrativa corta para 2006, data do julgamento, em que Suzane e Daniel contarão suas versões da história, cada uma contada em um dos filmes. E a partir daí, temos diferentes visões a respeito do relacionamento entre os dois principais personagens dessa história, cada qual tentando colocar o outro como maquiavélico e a si mesmo como uma pessoa inocente, apaixonada e corrompida. Mas não tem nada sobre a investigação, que pelo menos para mim, é a parte interessante.

Quando foi anunciada a produção de um filme sobre o Caso Hichthofen, muita gente reclamou e questionou se era necessário. Bom, o interesse nessa história não diminuiu desde 2002 e o número de pessoas que estavam ontem - dia da estreia dos filmes na Amazon Prime Video - comentando sobre eles no Twitter, provam que sim, era relevante. Afinal, o mercado da editoria de "Crime reais" têm aumentado no Brasil. Temos canais no Youtube, podcasts, livros... E no resto do mundo também se tem um histórico grande de filmes baseados em crimes reais, que consumimos sem questionar a "necessidade" deles. É só ver quantos filmes e documentários temos sobre o famoso serial killer de mulheres, Ted Bundy - vai sair mais um em breve, inclusive.

Porém, logo foi anunciado que não seria um filme sobre o Caso Hichthofen, mas dois: um com a narrativa de Suzane, outro com a narrativa de Daniel. Acho que não fui a única pessoa que se questionou se isso funcionaria ou - aí sim - se era necessária a divisão. Quantos filmes já não contaram várias versões de uma mesma história, montando uma narrativa questionável, mas efetiva no seu intuito de confundir e fazer pensar? Um filme na própria Amazon Prime Video, o Entre facas e segredos conta bem mais que duas versões e mostra cenas parecidas com diferentes ângulos e conflitos, e não precisou ser dividido entre um filme para cada personagem. Então, um caso tão famoso como o do assassinato do casal Hichthofen, no qual sua filha, o namorado e o cunhado dela participaram, e todos foram condenados, era necessário dividir e contar outras versões?

Opção feita, é uma decisão artística, feita pelo diretor e pelos roteiristas Ilana Casoy e Raphael Montes. Pode não ter funcionado tão bem, mas eu respeito, apesar de discordar. Os filmes têm 1 hora e 20 minutos de duração cada um e não se sustentam sozinhos. O público obrigatoriamente precisa assistir aos dois para ter a sensação de uma história completa. E veja, 2 horas e 40 minutos, menos o tempo das cenas idênticas, poderia ter funcionado muito melhor como uma coisa só.

Ambos os filmes passam a maior parte do tempo construindo o argumento de como um casal jovem, apaixonado e inconsequente chegou ao ponto de planejar o assassinato dos pais dela. Em O menino que matou meus pais, Suzane conta sua versão como uma jovem inocente, seduzida e induzida por um namorado agressivo, abusador e ambicioso. Em A menina que matou os pais, Daniel mostra uma namorada manipuladora, explosiva e instável, mas com um trauma de infância causado pela negligência da mãe e agressividade do pai, além de uma Suzane que se apresenta como vítima de abuso físico e sexual, precisando de refúgio nos braços de Daniel.

As atuações de Leonardo Bittencourt (Daniel) e Carla Diaz (Suzane) mudam de um filme para o outro, para caber dentro das narrativas opostas dos personagens, o que funciona muito bem dentro dessa premissa. Os dois atores se deram muito bem com essa mudança de personalidade, mostrando que conseguem ser plurais em suas atuações (além de terem muita química em cena). E se considerar que os dois filmes foram filmados em 33 dias, fica ainda mais admirável. Algumas vezes, porém, a Suzane criada por Carla Diaz se parece muito com a Suzane que aparece em uma entrevista para o Fantástico às vésperas do julgamento (veja no youtube), o que chega a atrapalhar um pouco, porque a gente já vê isso como dissimulação e não entende como os personagens não perceberam. Pode ser implicância da minha parte, também...

Achei interessante notar a mudança de alguns objetos de cena, como o avião de aeromodelismo que passa de amarelo em um filme, para vermelho no outro (o que talvez se justifique por momentos diferentes nos anos de relacionamento de Suzane e Daniel); e os pratos brancos e floridos da família Cravinhos, que mudam para pratos de vidro escuro (clássicos das cozinhas brasileiras).


Raphael Montes e Ilana Casoy

No saldo final, eu gostei dos filmes. Não são perfeitos, não deviam estar divididos (uma edição inteligente teria efeito melhor, sem mudar a intensão o diretor e dos roteiristas) e não contam sobre a investigação do caso, como eu esperava. A intenção da produção, no entanto, não era mostrar a investigação e eu tenho que aceitar isso. Ao invés de seguir por esse caminho, eles optaram por mostrar a forma como pessoas podem viver a mesma situação e enxerga-la de maneiras diferentes. Além de ser interessante observar que um relacionamento que se dizia tão forte e apaixonado, foi rapidamente abandonado para que cada um pudesse salvar a própria pele.

Quanto à ordem dos filmes, pode seguir a sugestão da própria Ilana Casoy: primeiro O menino que matou meus pais (versão da Suzane) e depois A menina que matou os pais (versão do Daniel). Foi essa ordem que eu segui e achei que foi bem eficiente.

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